Lorem Ipsum

Comemorações do Centenário do 5 de Outubro em Guimarães | Escola Secundária Francisco de Holanda

domingo, 14 de março de 2010

Que República se comemora em 2010?

Em 2010, a propósito do “centenário da república”, vamos comemorar o quê? Uma ideia – a ideia de república? Um acontecimento – o derrube revolucionário da monarquia constitucional nas ruas de Lisboa em 5 de Outubro de 1910? Ou um regime – o que resultou do monopólio do Estado e do constrangimento da vida pública por um partido da esquerda radical, o Partido Republicano Português, entre 1910 e 1926? (…)

Se é para comemorar a ideia de república, a escolha do 5 de Outubro de 1910 não é a mais feliz, embora seja há muito tempo feriado nacional. É que aquilo que desde o séc. XVIII interessou aos verdadeiros “republicanos” nunca foi saber se o chefe de Estado é electivo ou não mas o tipo de Estado e vida pública. O ideal republicano era o de uma comunidade de cidadãos independentes a viver sujeitos às leis e não ao arbítrio de outros homens, mesmo que tivessem um rei, como a Grã-Bretanha. (…)

Gostamos de contrastar o actual regime democrático, desde 1974, com a ditadura do Estado Novo (1933-1974). Mas o regime implantado em Portugal em 1910 e que durou até 1926, a chamada I República, tem tão pouco a ver com a actual democracia como o salazarismo. A I República passou por várias situações e foi dirigida por várias personalidades. Mas na sua versão dominante, associada ao monopólio do poder pelo Partido Republicano Português de Afonso Costa, foi um dos regimes mais intolerantes, exclusivistas e violentos do séc. XX em Portugal.

A I República foi ainda o primeiro regime a excluir expressamente as mulheres da vida cívica, ao negar-lhes por lei o direito de voto. Nas colónias de África, seguiu uma política dura e racista, que em 1915 chegou ao genocídio das populações do Sul de Angola. Afonso Costa forçou ainda a entrada de Portugal na I Guerra Mundial (1914-1918). Em dois anos, houve quase tantos mortos como nos 13 anos de guerras coloniais entre 1961 e 1974. É com este regime que a nova democracia portuguesa quer identificar-se em 2010? (…)

O grande problema da I República de 1910-26 foi saber-se se era um regime aberto a todos os portugueses ou só para alguns. Os líderes do dominante Partido Republicano Português de Afonso Costa, situado na esquerda radical, achavam que devia ser só para os militantes do seu partido, que monopolizavam o Governo e todos os empregos no Estado. Recusavam o princípio da alternância no poder (”na república não se governa para a direita”) e qualquer desvio à linha anticatólica. 

Outros republicanos – como os Presidentes Manuel de Arriaga e Sidónio Pais e o “fundador da república”, Machado dos Santos – quiseram, pelo contrário, fazer uma “república para todos os portugueses”, isto é, conciliadora com a Igreja Católica e aberta à participação no espaço público de quem não era militante dos republicanos ou não tinha ideias de esquerda. Por isso, Arriaga foi deposto em 1915 e Sidónio e Machado dos Santos assassinados (em 1918 e 1921). (…)

Como salientou o historiador Vitorino Magalhães Godinho, os reis e as cortes portuguesas a partir do século XV sempre pensaram no reino de Portugal como uma “república” no sentido clássico: um governo em que, independentemente da origem do poder dos governantes, estes regiam o Estado tendo em conta o bem público e de uma maneira regular e legal, sem arbítrio pessoal.

Mais tarde, sobretudo a partir do século XVIII, acrescentou-se a esta ideia de república o princípio da participação dos cidadãos no governo, através de instituições representativas e em nome da soberania da nação. A monarquia constitucional portuguesa, no século XIX, foi esse tipo de “república”. Portugal já era, neste sentido, “republicano” muito antes de 1910.

Rui Ramos no Correio da Manhã a 05 de Outubro 2009

0 comentários:

  © Blogger template 'Minimalist E' by Ourblogtemplates.com 2008 | Adaptado por Escola Secundária Francisco de Holanda | 2010

Voltar ao Início