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Comemorações do Centenário do 5 de Outubro em Guimarães | Escola Secundária Francisco de Holanda

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A opinião pública

É um dogma do constitucionalismo, a equivalência dum artigo, que esqueceu outorgar na Carta e diria assim, pouco mais ou menos — Todos os partidos políticos da nação portuguesa desfrutam o aplauso da opinião, enquanto se conservarem no governo.

O chefe dum ministério proclama, aí pela manhã — tenho a meu lado a opinião pública — e o ministério que à tarde lhe sucede, imediata e categoricamente afirma que subiu ao poder a reclamações da opinião pública e vai com ela e por ela governar. Então acontece este fenómeno que não é falho de curiosidade — o ministério demitido, a oposição, e outros partidos, igualmente oposicionistas, agridem o novo ministério, em nome da opinião pública, e empenham-se em derrubá-lo para satisfazer os urgentes e imperiosos desejos da mesma opinião pública. É em nome da opinião pública que os governos extraem os impostos, que ela paga do seu bolso; é em nome da opinião pública que o governo amordaça a imprensa, que diz representá-la; é em nome da opinião pública que se corre à pranchada quando ela barafusta no entusiasmo oratório dos comícios ou se movimenta, aos gritos, revolta e magnífica de desassombro. Foi em nome da opinião pública que, no antigo regime, se acenderam fogueiras que a cozinhavam de espeto e se tornaram célebres, na história dos mais sangrentos atentados, as carnificinas, as perseguições, as espoliações — que continuamente a escravizaram.

Mas o que é, afinal, a opinião pública? É o pretexto, a figura de retórica, o termo oco e enganador pelo qual, os que nos governam, fazem a sua vida. E o viva entoado pelos que estão no alto, e o morra que lançam, furiosos, os que anseiam por subir. Decomposta, analisada — a opinião pública é uma mentira. Se por ela se entende: a opinião do público, sempre notaremos que nunca o público teve opinião. O público português — na sua maioria lavrador ou pequeno industrial — anda a monte, analfabeto, degenerado, indiferente. Tem uma ideia no estômago — arranjar a sua vida; — tem uma ideia correlativa no cérebro — o patrão, o amo, o senhor. Varia a côdea, a ideia varia. Ele tem as suas magreiras e tem as suas pândegas. Por vezes sofre de azia, por vezes pula de contente. Quantos anos o trouxeram afastado dos negócios da sua pátria! Quantos anos, perguntado sobre o que seria Portugal, ele apenas diria, olhando a sua malga de caldo, olhando os trapos que escondem o pêlo fulvo do seu tronco, olhando para a mulher na gravidez do quinto filho e coçando a cabeça — é isto, a miséria! Pois lentamente, talvez demasiado lentamente, esse povo tem sido chamado à vida política, tem sido instruído no amor cívico. Por quem? Pelos republicanos. E, é triste mesmo assim confessá-lo, chegamos à hora em que o povo somente conhece do seu Rei o que do Rei propalam os sectários da república... No entanto, o governo invoca a opinião pública para fazer ditadura — enigmático paradoxo! — e os partidos monárquicos combatem-no, em nome da opinião pública. Quantos vinténs andarão aqui da tal e célebre opinião?

Eduardo de Almeida, Alvorada, n.º 1, Guimarães, 1 de Junho de 1907

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